Desde 1930, excetuando os malogros tempos da Segunda Grande Guerra, a cada quatro viradas de calendário, o esférico planeta que nos guarda em constante giramento interrompe seus movimentos por motivos de espetaculares embevecimentos. Os bilhões de pessoas envoltas num rodamoinho cotidiano param suas particulares cirroses circunflexas para o mor da bola do mundo correr.
É a décima oitava vez que o drama e o renome maior das pelejas mundanas dará sua arte no imortal de um adjetivo: o fenômeno de Yokohama; a zina de Saint-Denis; a redenção de Los Angeles; o eclipse de Roma; o divino da Cidade do México; a melúria de Madri; o rudimento de Buenos Aires; a tragédia de Munique; a perfeição da Cidade do México; o patriótico de Londres; a ginga de Santiago; o nascimento em Estocolmo; o delubro de Berna; o silêncio do Rio de Janeiro; a glosa de Paris; a apelação de Roma; e o olímpico de Montevidéu...
Cada verbo final é um romance versado à margem do sucesso e do fracasso.
E pela segunda oportunidade histórica, a Germânia sediará o maior e melhor e mais megalomaníaco certame mundial do rude esporte bretão. Há 32 anos rasgados, os bávaros fizeram com frieza e pontualidade uma das maiores tragédias do compasso das Copas, tirando do suco da Laranja uma conquista inquestionável, mas para sempre lamentável, pelo mecânico dos ares caseiros e ocidentais do Olympiastadion.
Desta vez, num âmbito unificado e com forte poderio econômico, cirúrgico êxtase de vitória, a dona da casa, a mãe Alemanha, apoiada na tradição regulamentar das duas últimas competições, e cabeça do colóquio A, vai de enfrente aos seus adversários e suas próprias limitações.
Contra os caribenhos da Costa Rica, as consoantes da Polônia, e os delírios incas do Equador, a cervejaria alemã e a verve inteligente e depressiva de filósofos, músicos e discípulos de Goethe, têm como seta um único alvo de pódio, o título! Enquanto poloneses, costarriquenhos, e equatorianos dançarão seus mambos, suas salsas e suas óperas na busca de uma das dezesseis vagas de vanguarda.
Vá lá! No entretanto, no vizinho, no emparceramento seguinte, os esquetes sobreviventes de A se trançam com B, num catacego faiscante!
Ingleses, Paraguaios, Suecos, e os capetas minúsculos de Trinidad e Tobago são os habitantes de um quadrante grupal tão tenso quanto corda de violino.
Sem responsabilidade nenhuma, o pedaço de gente da Copa, o menorzinho dentre os países participantes, é negritude em riso só. Diabrento cuspidor de capim, os de Trinidad, os de Tobago, estão no nem aí, e pra fazer capetice tipo saci é um bico de beiço vermelho! Na contramão do humor, os louros e desenvolvidos azulados da Suécia, todavia um incauto na chuteira. Despressionados pelo favoritismo e gélidos nos glóbulos, os suicidas da Escandinávia vêm para abrilhantar os corações pueris das donzelas, e se piscados os olhos, arreganhar soluços dos marmanjos.
Mas o que pega é guerra!
A súdita Inglaterra e o guarani Paraguai, são árticos enraivecidos pelo tempo... De uma emboscada sem mar, os falsificadores estão no horror de uma gravidez de desejos: a glória! a glória!... Massacrados e usurpados na sangria do passado pelos três campeões latinos, o véu de seda enrustido paraguaio vai às armas com cravos defensivos e cabeçadas pontiagudas. Enquanto a ilha britânica unida, protegida por Deus e pela rainha, amaldiçoa, blasfema, urdi e fere, com arrogâncias e sotaques, qualquer outro score que não seja a bola de fogo de Blake e as portas da percepção de Huxley! Quarenta anos após seu primeiro e único berro, o que existe de bom na Grã-bretanha, é a maldade brotando pelas pupilas brancas!
A e B: no meio desse rebolo de dois continentes, seis seleções ficarão a deriva, e outras duas ficarão num bote, sem salva-vidas!...
Enviado por Rufus Melancólico