domingo, maio 28, 2006

Não me lembro qual era o dia da semana

Não me lembro qual era o dia da semana. O mês acho que era janeiro. A noite estava quente e seca. Ele chegou de uma viagem de uma semana e a primeira coisa que fez foi me telefonar: disse que queria me ver eu disse-lhe que viesse a minha casa. Ele veio. Bebemos juntos, fumamos e rimos juntos, ouvimos nossas músicas preferidas, falamos sobre o que sempre falávamos, declaramos nossas saudades e trepamos. No quarto pequeno, quase todo tomado pela cama de casal, sob a luz de um apajur que alaranjava a luz da lâmpada comum, nossos corpos, sem saber, se entrelaçavam pela última vez. Rápido demais nos satisfizemos, quase sem calores e suores. Ele deslizou os dedos pelos meus cabelos, agora embaraçados e me deixou só, para ir ao banheiro. Nua na minha cama, deixei meu corpo perceber o contato com o lençol amassado e acendi um cigarro. Ele voltou, deitou ao meu lado, igualmente nu, pediu um cigarro dos dele - mais fortes que os meus - e eu não mais resiste: falei. Tal como se elaborasse uma peça judiciária, expus meus sentimentos, disse que o desejava e que o queria para parceiro na vida e não para amante eventual. Lembrei de todas as nossas afinidades e dos inúmeros episódios alegres e felizes que havíamos vivido juntos. Argumentei que ele era adequado para mim e eu para ele. Afirmei que seria fácil e simples, afinal já nos gostávamos, já éramos amigos e já nos conhecíamos há anos, de modo que não teríamos certas dificuldades que casais que pouco conhecem um do outro costumam enfrentar. Ele ouviu com atenção e disse que muito me amava. Repitiu muitas outras vezes que me amava. Lembrou-me de como eu era importante na vida dele e que me queria eternamente em suas aventuras. Repitiu tantas outras vezes que me amava e que não queria me ver sofrer, sob nenhuma hipótese. Porém - e sempre existe um porém -, insistiu que não me amava como a uma namorada, mas apenas como uma boa amiga, cujo carinho e afinidade eram tão intensos que, por vezes, realizava-se também sexualmente. Ele não deixava de ter razão... mas, por que não?! Eu perguntei. Ele respondeu: porque falta alguma coisa. Que coisa? - continuei a perguntar. A faísca da paixão - ele respondeu. FAÍSCA DA PAIXÃO! Que porra é essa? Que abstração absurda! Que dogma é esse? Isso tudo eu pensei, mas não falei. Falta magia - ele continuou. Mais magia do que já havia entre nós! Que porra de magia ele queria? MAGIA! Afinal, do que ele estava falando? Qual o índice ele usava para mensurar essas abstrações? Estavamos no âmbito do incomunicável! Isso tudo eu também pensei e não falei. Não havia mais o que discutir. Ele sugeriu que dormissemos. Aceite a sugestão. Então, ele me puxou para junto dele, abraçou-me e adormecemos de corpos colados mais uma vez e pela vez derradeira...