domingo, maio 21, 2006

ELE

Uma música bonitinha - de uma banda que não é a minha predileta, mas que largamente feriu meus ouvidos, porque o era da irmã de quarto comum, antes do levante -, diz que dentro de um cigarro não se guardam nem mesmo cinco minutos. Outra, mais singela – de uma diferente banda, que me é mais agradável -, atribui ao tempo o aposto de “mano velho”, amigo dileto que sabiamente só nos interrompe no final. Estou a pensar nelas, porque sinto, como nunca antes, que o tempo me escapa: os segundos, minutos e horas – essa invenção medieval que nos serve para medir o tempo – esquecem constantemente de me avisar que me deixam e se perdem na minha memória distraída. Não os vejo sair pela porta da minha casa, como o amante eventual que deixa a alcova, ainda quando dorme a parceira de jogos noturnos. Não me pedem permissão antes de mesclarem-se com o horizonte. Dissolvem-se antes mesmo que eu escolha como quero desfrutá-los. Frustro-me, decepciono-me com minha inexatidão e falta de habilidade para domá-los conforme minha conveniência. Porém, não deixo de louvá-los quando correm acelerados, ainda sem me avisar, e me curam as feridas. Considero o tempo o mais antigo e querido dos amigos quando permite que eu me perca em suas medidas e me faz esquecer que ele continua a correr, para me fazer renascer em mim, como outra. Amigo e algoz, amado e odiado. Confesso, contudo, que me aborreço quando o uso indevidamente, tal como agora, quando o perco para a articulação de amenidades, de “lugares-comuns”, os quais, no entanto, me falam de tão perto. Confesso, ainda, que lhes devo desculpas, meus caros leitores, por obrigá-los a leitura de reflexões menores e que, de tão íntimas, são arbitrariamente confusas. Mas, meu caráter genioso obriga-me a escrever, hoje, somente sobre o que desejo. E meu desejo, agora, é trancafiar o tempo, paralisá-lo, estacioná-lo apenas por uns dias, para que mais uma vez ele não se torne meu algoz e seja sempre meu fiel e constante amigo.

Miranda Belvedere