Tonta de sono, embriagada de café e cigarro é que vos escrevo. Hoje fui obrigada a admitir que sou a mais invejosa das mulheres, depudoradamente invejosa, cruelmente invejosa, regiamente invejosa. Invejosa do amor recebido por outras mulheres. Durante anos relutei em aceitar, me escondi atrás do mais diferentes discursos, dos mais feministas aos mais machistas, dos mais moderados e razoáveis aos mais radicais, irracionais e fundamentalistas. Construi mitos para justificar e manter minha solidão. Elaborei teorias complexas, recheadas de axiomas e deduções bem justificadas. Cri na minha insuficiência, cri na minha inadequação, cri nas minhas novas e recém-inventadas superstições, cri nos trágicos gregos e esperei morrer o quanto antes. Pior, pautei minhas ações por minhas convicções, todas elas, sem exceções. E se tive algum sucesso foi em criar um modo de vida coerente às idéias defendidas. Mas, enfraquecida pelos fatos, fui obrigada a admitir minha inveja. Vejo o que não me pertence e o que desejo ardentemente, absurdamente, viceralmente. Invejo com toda a minha potência o que não possuo e o que é de outrem e constato, com o coração a sangrar e a alma desfalecida, que minha inveja nutri minha raiva e meu ódio e me faz ressentida. Aguça meus olhos, burila meus argumentos, mas destrói minhas vísceras. Porém, hoje, envelhecida pelos hábitos adquiridos, não sei se serei capaz de pagar o preço exigido pelo amor. Não sei mais se serei capaz de suportar as brincadeiras de Eros, criança geniosa que ao me acertar pode causar minha própria perda, meu naufrágio de mim, desestabilizar minha vida segura, meu mundo de aflições exclusivas, mas de mares tranqüilos. Talvez ele me fizesse renascer em outro, por outro e para outro, mas uma tal idéia é demasiado imaginativa para uma mente racional. Por agora, resta-me admitir minha inveja crescente e incontrolável das mulheres amadas e aprender a conviver com ela, sem criar marcas incuráveis no meu ânimo e na minha sanidade.
Enviado por Miranda Belvedere