quarta-feira, abril 26, 2006

A PELOTA in O Intento Dos Dezesseis

Os libertadores são frios.

Calculistas, utilizam suas indumentárias cirúrgicas com exatidão gélida quando o cerco começa a se fechar. Executores, destroem as ilusões e os sonhos de pequenos audaciosos. Destemidos, correm com machados manchados de sangue enquanto a bola gira por territórios américos.

Os libertadores são os incautos do medo.

No meio do feriado prolongado, enquanto eu abastecia a dispensa com víveres futebolísticos para acompanhar o que é que iria acontecer de zumbido nos campos do mundo, veio-me pela fresta da janela um condensado de fumo, de odor pestioso, de coca em fumaça. Era um telegrama fantasioso dos imortais desencarnados. As ordens para o comparecimento a uma reunião de extraordinárias! E eu fui. Com a mochila nos ombros, à espreita temerosa de desobedecer as leis do além...

Na Bolívia, em La Paz, a cidade em forma de panela, com rarefações pulmonares, numa saleta discreta do centro, Mario Vargas Llosa, Rômulo Gallegos, e Pablo Neruda, se falavam com as mãos em bilhetes assassinos, e fumavam através de cachimbos, cigarros, charutos e narguilés, todo o possível de ser queimado em brasa. Ali, com o ego em vulcanização, eles se portavam como os eliminados que de fato eram.

Dos onze países que disputam a libertação da América deste ano, Peru, Venezuela e Chile, juntamente com os cocaleiros da Bolívia, foram banidos da glória única, antes mesmo dos matadouros de ida-e-volta. Sem representantes na fase árdua do certame, Pablo, Rômulo e Mario, num ver nada esfumaçado, expunham suas observações acerca das pelejas que começam nessa expectativa semanal e terminam na ingratidão dos primeiros dias de maio. Os perderes irão se somar...

Gallegos, o mais irradio de todos, versejava as fontes de sua Dona Bárbara, e impunha as forças da natureza de sua brochura da condição desesperante dos homens, enquanto que Neruda, igualmente ausente de si, esquecia-se dos Vinte Poemas de Amor, e bradava pela garganta cheia de neblina, as cruzes de sua Canção Desesperada, ao passo que Llosa vertia os horrores do prosaísmo da Guerra do Fim do Mundo... Era a aflição!

Retidos da correria libertária, os fantasmas fumantes, em silêncios megalômanos que escondiam certas amarguras, compunham os labirintos dos caminhos até a finalíssima, e mesmo sendo sabido que os dezesseis esquetes potentes sofrem do mesmo intento conquistador, os três espíritos fumacentos, numa frigidez calcinante, expuseram os nomes dos tristes coadjuvantes ilustres: os colombianos Santa Fé e Atlético Nacional, que decidirão, respectivamente, suas cismas contra o mexicano do Chivas Guadalara, e a altitude equatoriana da Liga Deportiva Universitária; no mesmo tempero cujo paraguaio Libertad medirá seu escudo defensor diante do Tigres de Monterrey, um outro mexicano que é quase um texano; ao mesmo tempo em que o debutante brasileiro Goiás será posto a prova da costura das agulhas argentinas do Estudiantes! São os levianos...

A literatura sul-americana é conhecedora das tradições e vinganças que cerceiam os suores dos Libertadores da América. Enxerga os ares raivosos e imprevisíveis dos embates dos patrícios portenhos Vélez Sarsfield X Newell´s Old Boys, e dos paulistanos São Paulo X Palmeiras. E vê as faíscas que sairão do bater das pedras entre Corinthians X River Plate, e o colorado gaúcho Internacional contra o uruguaio Nacional de Montevidéu! São os místicos...

Os classudos embrenhados na branquidez da saleta do centro boliviano cravaram numa bolota de sulfite, com uma letra cursiva firme, antes de desaparecerem no frescor de uma estranha sublimação, que o campeão sai desses quatro confrontos mistificados pelo tempo, de tradicionalismos e vingações. E que os demais, os pouco refletidos, serão espectadores de uma decisão inédita com espetacularidades de melancolismos...

Dentre Os Grandes És O Primeiro: o mestre maior do futebol ofensivo foi ter com a imensidão na última sexta-feira. Telê teve com o joguete do destino nos anos de 82 e 86, e 92 e 93. O placar estaria empatado não fosse o consenso das torcidas do Brasil e do mundo quanto os seus delicados ataques pelas pontas, e suas tabelas envolventes pelos meios... Foi o primeiro dos grandes!

Enviado por Rufus Melancólico