Porém, enquanto o cidadão espera na longa fila, ele é lembrado de que não é capaz de consumir uma refeição com os mesmos componentes em outro lugar qualquer, e que suas necessidades básicas precisam ainda ser atendidas pelo Estado. Mas é lembrado também que ao atendimento de suas necessidades básicas corresponde um determinado tratamento, uma determinada punição, justamente as filas absurdas. O benefício do qual desfruta implica, portanto, em uma pena, que deve ser expiada completamente. Para obter o pão aprende-se que devemos nos sujeitar a quaisquer humilhações. Como cães de rua que comem restos em uma lata de lixo imunda ou numa calçada molhada e suja de merda de gato; como porcos que se alimentam de lavagem no meio da lama, também os cidadãos do Brasil devem se submeter a quaisquer condições para se alimentarem. Mais do que isso, somos adestrados a considerar que esse tratamento é natural e que devemos ser gratos pelas migalhas que nos proporcionam. Dia após dia somos punidos por sermos dotados de certas necessidades; somos punidos porque precisamos comer, porque precisamos nos deslocar, porque precisamos de habitações para nos protegermos das mudanças climáticas. Deste modo, para comermos somos punidos com filas absurdas, para nos locomovermos somos punidos com um transporte coletivo sujo, demorado e lotado, para nos abrigarmos das mudanças climáticas somos punidos com habitações precárias e com impostos desmedidos. Estamos diante de um processo que pretende aniquilar a estima dos cidadãos e destruir a dignidade dos homens, negandos-lhe a racionalidade e aproximando-os cada vez mais de uma besta furiosa comedora de carniça. Certamente eu não anuncio nenhuma novidade, outros já disseram o que digo de maneira muito melhor fundamentada, profunda e sistematizada; o curioso é um comentário como esse aparecer até mesmo num blog bobo, escondido no meio da internet.