domingo, junho 11, 2006

A VISITA

Há meses não os via e havia prometido uma visita. Nunca consegui amar meus avós, mas sempre adorei as tradições, por isso me esforçava para tomá-los, ao menos, como parte da minha história. Meu avô era mais fácil de gostar: alquebrado pela idade e pelos vícios, tornara-se um velho meigo e carinhoso. Calado as vezes; considerava-se um fardo para a família e ocupava-se apenas em curar suas feridas, tão doloridas e fétidas. Minha avó, contudo, me fazia horror: marcada pela vida com violência e profundidade, o tempo a fez amarga e rancorosa, doente e reclamona. Ainda assim, flutuando no carro de um novo amor, eu rumava para a casa deles. Parei no percurso, embora não soubesse porque, queria agradá-los e resolvi comprar-lhes um doce na padaria do bairro. Pedi para que o novo namorado aguardasse alguns minutos e, enquanto olhava as vitrines de tantos anos de infância, deparei-me com ele. O primeiro deles. O primeiro a percorrer meu corpo, a me invadir com violência, algumas vezes, e com carinho, em outras. O tempo lhe derá alguns quilos mais, tirara-lhe alguns fios de cabelo e o presenteara com uma aliança de casamento. Ele me reconheceu imediatamente. Tremeu como tantas vezes antes, sorriu, suou e, finalmente, me cumprimentou. Falou da casa nova, do emprego mediocre, da esposa maravilhosa, dos filhos por vir e quase falou da vida que não tivemos. Quis se desculpar por alguma coisa que havia me feito, muitos anos antes. Eu desculpei, sem dar muita importância. Resolvi-me pelo doce de chocolate, paguei, me despedi, entrei no carro e tentei lembrar porque mesmo havíamos namorado. O que mesmo me atraia nele? Não consegui lembrar e segui para a casa dos avós. Eles adoraram o doce e o novo namorado. Meu analista, por sua vez, adorou a fantasia e por cinco sessões discutimos os detalhes do meu encontro fictício com o primeiro dos meus homens...


Enviado por Miranda Belvedere