domingo, junho 04, 2006

Era só mais uma manhã de segunda-feira


Manhã de segunda-feira. Frio. Sono. Faculdade. Banco escolar, primeiro dia letivo. Cumprimentos, sorrisos com gosto de café, olhares apreensivos, gestos já cansados e hipnóticos. A porta abriu e o professor entrou. Os alunos acompanharam seu passos largos até o pupito, ele os viu, mas não os enxergou e começou a falar. Os olhos eram azuis, a voz era forte e as palavras inspiradas pelos deuses. Caso clássico: a aluna se apaixonou. Nas semanas seguintes ela reservava as melhores roupas para as segunda-feiras, maquiava-se com mais cuidado e mantinha atenção redobrada durante as aulas. Apaixonou-se pelos olhos azuis e pelas palavras elevadas que traduziam um conteúdo que, até então, lhe era completamente desconhecido e inacessível. Poucas semanas depois, não resistiu, atirou-se a leitura de um livro incompreensível e na aula seguinte, encheu-se de dúvidas e de coragem e foi ter com o professor. A sala minúscula, na qual ele recebia os alunos, ficava repleta de luz, ao meio-dia, por conta de uma janela lateral e vazada. A porta estava aberta, ele olhava para as árvores que se viam pelos furinhos da janela, o vento sacudia as folhas e a entrada da aluna não foi notada. Professor - ela disse. Os olhos tão claros, contrastando com os cabelos escuros, voltaram-se para vê-la. O que ele viu, até hoje ela não sabe, mas ela viu seu sorriso pela primeira vez, estranhou – nunca o vira sorrir antes – e se agradou. Com mãos inseguras, ela retirou de uma pasta suas anotações de aula e começou a falar de suas dúvidas. As dúvidas, ela ainda não sabia, eram suas angústias, seus medos e ele tentou compreedê-la. Tentou responder as suas demandas, mas, sem que ela esperasse, sugeriu que as abandonasse, jogou-as para o alto e com as palavras e os gestos das mãos contou-lhe sobre um mundo encantado. Falou-lhe de outras línguas, de outros livros e outros modos de vida. Ela maravilhou-se e nunca mais deixou de procurá-lo em sua sala. Durante as visitas, as palavras herméticas de um outro mundo a excitavam, sorria com os lábios e ardia de desejo com o ventre. A aluna seguiu o conselho do professor: abandonou suas dúvidas e o seu próprio mundo e deixou-se elevar pelo dele. Tudo isso aconteceu. Há muitos anos. Mas eles nunca se tocaram. Hoje, a aluna mora naquele mundo encantado descrito pelo professor; porém, tarde da noite, escondida no calor de sua casa, seu peito ainda aperta de saudade pelos beijos nunca trocados, pelo toque do corpo que jamais conheceu e pelos abraços que não foram dados. As vezes, ela recebe notícias do professor: ele lhe escreve sobre outros mundos que ela ainda não conhece, enfatiza que ela deve um dia conhecê-los, mas nunca a convida para desbravá-los juntos. Ela, assustada como sempre foi, tímida como nunca deixou de ser, insegurança, primeiro por natureza e depois por escolha mal feita, não é capaz de sugerir que o façam. Então, a saudade apetar-lhe ainda mais o peito e ela faz apenas abrir mais um livro, ouvir mais uma canção e engolir mais um copo de vinho...


Enviado por Miranda Belvedere