quinta-feira, junho 08, 2006

Lições duras do amor ou Sobre As Horas

Definitivamente, nos livros o amor é bem mais simples. E patético. Em filmes roliudianos, também. Nas duas afirmações existem exceções, é claro, e nelas me concentro hoje.

Mr. Simon, numa bonita homenagem, escreveu sobre o filme "As Pontes de Madison", dirigido por Clint Eatwood. Neste filme uma mulher com uma vida simples, conhece um fotógrafo (interpretado pelo próprio Clint) e se apaixonado por ele. E, após quatro dias de amor, opta por ficar sozinha. Leia o texto abaixo, compreenderá melhor.

Seria certo Francesca (eis o seu nome) abandonar o seu lar, sua família, e seguir com o seu novo amor? Não acredito nisso. Na vida tendemos a optar pelos extremos. Quando se imagina nas possibilidades, o que se pensa é: a) largar tudo ou b) ficar e se contentar com a vida. Por que precisa ser um ou o outro? Entre essas opções existe outra, a mais justa: o que seria melhor para ela?

Francesca é uma personagem e só consigo pensar estando em seu lugar e, somente assim: não sei o que é melhor para os outros, somente para mim. Neste caso, nenhuma das duas respostas me agradaria. Não sou obrigada a largar mão de tudo. Tão pouco gostaria de ficar, por obrigação, com meus filhos e marido. Seria uma injustiça comigo e com eles.

Se eu fosse Francesca, se estivesse em seu lugar, teria uma sede em conhecer o mundo muito grande. Este fotógrafo seria para mim um sinal. Jamais abandonaria meus filhos. Mas não estaria mais com o meu marido. Optaria por uma vida maior, por descobertas maiores.

Vejo como uma grande injustiça deixar de viver e colocar a culpa nos filhos. Ninguém tem culpa pelos nossos atos. Imagine os filhos desta mulher lendo o seu diário! Eu jamais perdoaria minha mãe.

Bem. Isto é sobre a Ponte. Vamos "As Horas", filme que trata, no meu ver, o mesmo assunto sob um outro ângulo.

Esta obra conta a história de três mulheres, todas elas tendo como base o livro "Mrs. Dalloway", de Virgínia Wolf.

A personagem
Meryl Streep again. Numa atuação espetacular, novamente. Ela é Clarissa Vaughn, escritora ocupada em planejar a festa para o seu melhor amigo escritor que está morrendo. Naquele dia, independente da vontade de todos ao seu redor, seu pensamento é esta festa. Quais seriam as melhores flores, pratos perfeitos para os dias, convidados... Tudo para não se aprofundar no principal problema. Richard, o aniversariante, quer morrer. Está cansado.

Clarissa não o compreende. Ele tem que viver, não por ele, mas por todos! Mas ele quer morrer. Egoísmo, excentricidade, loucura, satanismo? Enfim, isso não importa. O ponto é: a vida é dele.

A escritora
Outra mulher: Virgínia Woolf. Interpretada por Nicole Kidman. Perdida em sua loucura, cansada, doente, tenta escrever seu romance, "As Horas". Mas não vê sentido em sua vida. Seus sentimentos invadem suas entranhas de forma descontrolada e aquela mulher que só sabe pensar se perde neles. Ama seu marido, mas sente atrações estranhas até mesmo pela sua irmã. Tão contida, não consegue ordenar suas paixões e desejos. Tem aos seus pés um abnegado marido que luta pela sua vida, para que ela viva. E esquece, ele mesmo, de viver.

A leitora
Terceira e última: Laura Brown. Interpretada por Juliane Moore. Esta personagem, para mim, é a mais expressiva do filme e por isso quis escrever sobre ele hoje. Calma, você já vai entender.
Laura Brown é casada. Tem um filho. Está grávida de outro. E, certo dia, começa a ler o livro de Virgínia Woolf. Percebe, logo de cara, como é a vida. As pessoas fingem que tudo está bem e, como uma mentira contada mais de cem vezes, tudo fica bem. Ou deveria ficar. Se não estiver, é só fazer uma festa!

Então, Laura Brown deveria estar muito feliz. Era casada com uma marido trabalhador. Seu filho era saudável, carinhoso e inteligente. E se tudo estava um pouco monótono... Ora, vejam só! Havia o aniversário do seu marido. E o bolo! Tem como não ficar bem?

Mas não estava. O que havia de errado com ela, hein?

Laura não precisou falar. Quando seu marido chega em casa, em uma frase, resume toda a aflição desta mulher:

"Quer saber como eu me apaixonei pela sua mãe, filho? Pois vou lhe dizer. Quando fui para a Guerra, apesar de todos os problemas, não conseguia tirar da minha cabeça aquela menina estranha... Laura Brown. Ela era tão esquisita e parecia ser tão infeliz que eu pensava... Quando voltar da guerra vou casar com essa mulher. Ai sim, ela será feliz!"

Que presunção é esta? Como pode alguém ser dono da felicidade de alguém! Este homem deveria buscar a sua felicidade e não a dos outros. Em seu afã de ser herói destruiu a vida de Laura Brown. Com certeza não era este o seu propósito. Mas quem disse que o ser humano nasceu para ser superman?

Por aprisionar seus sentimentos, Laura era um vulcão. Sentia desejos, paixão por aquilo que não conhecia. Sentia atração por sua vizinha e via nisto uma loucura. Seu final, portanto, devia ser a morte. Mas a vida não é assim. E ela viveu. Abandonou a família. Filho. E foi ser bibliotecária numa cidadezinha.

Fim do filme. Surge a mãe de Richard (o escritor para quem Clarissa prepara a festa). "Eis o montro", anunciam. Eis a surpresa, sua mãe é... Laura Brown! Todos a olham, a condenam. Porque não foi como Francesca (e eis porque escrevi esta Bíblia sobre o filme "As Horas)? Porque não ficou com seu amado marido, seu lindo filho? Monstro, monstro! Segue o diálogo:

"Laura: É horrivel sobreviver a família, Miss Vaughan. E é claro, todos nos sentimos indignos. É uma sensação de não merecimento. O fato de sobreviver, e eles não... Ele me fez morrer no Romance, e eu sei porque.
Clarissa: Você o abandonou quando pequeno!
Laura: Sim, abandonei meus dois filhos.Dizem que é o pior que uma mãe pode fazer... Você tem uma filha.
Clarissa: Sim.
Laura: E você a desejou?
Clarissa: Sim!
Laura: Então você é uma mulher de sorte. Há horas na vida de uma pessoa em que ela se sente deslocada e quer se matar. Uma vez, fui num hotel. Naquele dia tive a idéia de abandonar minha casa assim que meu segundo filho nascesse. Um dia acordei, fiz o café, andei até o o ponto de ônibus e fui embora. Deixei um bilhete.
Seria ótimo poder dizer que me arrependi, mas o que é se arrepender? Se arrepender quando não há opção? É o que se pode aguentar.
É isso. Ninguém vai me perdoar.

Era a morte.

Eu escolhi a vida."

Foi o mais justo para ela. Pena que Francesca morreu.

Mr. Simon, obrigada pelo seu texto. Fez alguns neurônios se mexerem, como bem vê!

Mais sobre o filme:

http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/the-hours/the-hours.htm
http://cinefilia.fezocasblurbs.com/archives/001585.html
http://www.cinemando.com.br/arquivo/filmes/ashoras.htm


Enviado por Jussara Justa