terça-feira, junho 13, 2006

SIMON PARABENIZA: “SALVE ILUMINADA ABELHA-RAINHA!

Maria, queridíssima:

Tu que tens o nome da mãe de nosso Senhor Jesus Cristo e que também tens o nome composto da musa cantada há muito por Nelson Gonçalves quando este era um dos Reis de nossa rádio chegaste com plena dignidade e beleza à casa dos 60. Tu que fazes de nós, admiradores e sensibilizados pela sua arte, o instrumento de vosso prazer, sim, e de tua glória, de tua glória. Que continues por muito tempo fazendo de nós, brasileiros, o favo de teu mel, cavando a direta claridade dos céus e agarrando o sol de cada dia com uma de suas mãos.

Tu surgiste, de modo estranhamente Maricotinha, no cenário musical brasileiro em meio a protestos incisivos de nossa música perante a truculência de militares insensíveis, tu enfeitiçaste o Brasil com o vôo de um pássaro malvado e implacável que “pega, mata e come!”, mas com seu talento inconfundível e com a tua autenticidade e a tua dramaticidade, soubeste que ser “Musa da canção de protesto” era muito pouco para definir a beleza de teu canto e tua integridade artística. Decidiste que, naqueles anos 60, o melhor era cantar o nosso passado, resgatar a nossa tradição musical cantando Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Pixinguinha, Assis Valente, Wilson Batista, e as belezas do bom, velho e sábio Caymmi, o melhor tradutor de sua terra, a Bahia de todos os santos! Ao mesmo tempo, tu não desprezaste o que a tua geração nos trouxe de melhor: Caetano, Gil, Roberto & Erasmo, Edu Lobo, Gonzaguinha, Joyce, Torquato Neto, Sueli Costa, Ângela RôRô, Chico (ou Buarque, como tu chamas o monumental poeta-cancioneiro de olhos cor de ardósia!) e tantos outros que a sua colméia de sons abriga e já abrigou... Decidiste não participar da Tropicália comandada por seu irmão, mas nunca deixou de ser uma tropicalista avant la lettre, sempre iluminando o que existe melhor nas coisas de nosso Brasil!

No início da década de 70, tu surgiste ainda mais bela e sombria, com a sua Rosa dos Ventos de acordes dissonantes e perturbadores, encantada mais do que nunca, traduzindo através da canção e do auxílio poético de Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Batatinha e outros a Cena Muda e o estado de desilusão provocado pelo “coro dos contentes” com a barbárie e a mediocridade. Tu ficaste ainda mais dramática, quase beirando o trágico, fazendo do Drama individual e coletivo a tua matéria prima, a tua força primária de expressão! Tudo isso orquestrado pela batuta inconfundível de Mestre Fauzi Arap, que era o Maestro dos ventos musicais que tu emanaste a cada espetáculo. A força do humano desde sempre passou a ficar em ti, em teu canto, em teus gestos, em tua expressão, em tua voz grave...

Ainda nesta década de trevas, porém de muita criatividade, tu encontraste alguns de suas referências musicais primordiais: Chico Buarque de Hollanda, em 1975, uma de tuas maiores tradições, seu gêmeo de sensibilidade e versos em uma temporada de shows que virou um dos discos mais importantes da história de nossa música popular. E no ano seguinte, tu compartilhaste o palco com teus irmãos da Bahia: Caetano, o irmão de sangue, também gêmeo de versos e sensibilidade; Gil, irmão em energia e potencialidade e Gal, irmã siamesa, oposta a ti em leveza e no canto, mas complementar em sua estranha magia. Doces e infinitamente Bárbaros, os quatro encantaram o Brasil definitivamente com índios épicos, xangôs meninos, pássaros proibidos, fés cegas e facas amoladas, revelando, em pura gênesis, o que há de mais puro e bonito no seu amor, amando e deixando cantar e correr pelos quatro cantos de vossas artes...

Depois da reunião do quarteto fantástico baiano, tu seguiste pela década de 70 com seus Pássaros (o Proibido e o da Manhã) e chegaste ao ápice da popularidade com o Álibi de nossa canção, e no ano seguinte com o Mel de teu canto, conquistando cada vez os corações de nosso país. Tu adentraste a década de 80 com seu Talismã, garantindo a sua Alteza de Rainha de nossa música, com um poder de Diva e aflorando os Nossos Momentos de alimento e encantamento. Tu resististe às modas ordinariamente passageiras dos anos 80 com força e dignidade, sempre afirmando a liberdade de seu projeto estético, de seu canto ímpar, de sua singularidade. E tu nunca esqueceste de nos brindar com a tua criatividade, revelando um Brasil que poucos conheciam. Com a mesma dignidade tu atingiste a década de 90 em meio a ondas musicais sertanojentas e horrendamente dissonantes.

Entre o início e a metade desta década, tu surgiste belíssima mais uma vez, revirando o cancioneiro de Roberto & Erasmo de ponta-cabeça, despertando para o grande público exigente (e assumidamente truculento) de MPB a beleza e a leveza da obra destes dois. As canções que ele fez para ti passaram a ser as canções que foram feitas para todos nós. E assumimos de vez o que existe de mais lírico e apaixonado em cada um de nós. Sim, Roberto Carlos poderia ser “o cara”, ele poderia ser “quente”! Da mesma maneira que você alertou Caetano antes do Tropicalismo a respeito do Rei, você nos alertou que a majestade também poderia ser cool. Porém, tu também se cansaste das jogadas comerciais das gravadoras e recusaste um segundo convite para reler a obra de Roberto Carlos. Resolveste iluminar com teu âmbar elétrico novas sonoridades e encontraste talentos promissores e juvenis como Adriana Calcanhotto, Antônio Cícero e Chico César, sem perder de vista Chico & Caetano. No ano seguinte, tu voltaste aos palcos pós-combalida de um câncer, demonstrando o que existe de mais bonito na Imitação da Vida. A tua voz continuava vitoriosa, sua força jamais secaria e o teu talento, amplificado por outros cinco mil auto-falantes.

Em 1999, tu desafiaste toda a nação musical e ouvinte das canções que tu cantaste para nós cantando “É o Amor”, de Zezé di Camargo & Luciano. Mais uma vez, você nos ensinou que bom gosto depende justamente dos olhos que vêem, mas principalmente da voz que canta e interpreta! E nada mais!

E na década de 2000, com a indústria fonográfica já amargando o gosto amargo de fel que produzira, tu provaste que música de qualidade ainda podia ser sinônimo de boas vendas com os seus trabalhos Maricotinha e Brasileirinho. Este segundo trabalho foi, para muitos, especialmente para este quem escreve, a revelação de um Brasil lírico, épico, esplendorosamente macunaímico, porém imperfeito; sem deixar de ser belo e feio ao mesmo tempo: a face e a contra-face do Brasil. Logo depois, tu buscaste a obra menos conhecida do poetinha Vinícius de Moraes, ressaltando a beleza de seus versos e de suas melodias ao mesmo tempo em que tu completaste 40 anos de uma carreira de glórias, sons, gestos e versos!

Minha paixão pelo seu trabalho começou quando tu trouxeste a obra dos Carlos para o grande público de MPB. Com isso, através de uma prima interesseira em ouvir os LPs dos meus pais, descobri o LP Mel dentre aquelas quinquilharias. Seu disco tinha sido um dos vários presentes de casamento deles (meus velhos se casaram no mesmo ano em que tu brindaste o Brasil com este disco!), e logo se tornou um dos meus maiores presentes auditivos por todo o sempre!

Em 18 de junho de 2006, é importante lembrar das palavras do radialista e produtor musical Walter Silva a respeito da RAINHA: “Bethânia é linda. Bethânia é única. Não houve mais nada; houve Bethânia”. Olhos nos olhos, ainda quero ver o bem que você ainda nos faz por 60 anos e mais! Ontem, hoje e para sempre! Feliz aniversário, Maria Bethânia! Que Iansã, Iemanjá e todos os santos te iluminem muito! Do Sr. Simon aqui que te agradece e que te ama bastante...

Enviado por Mr. Simon