No último dia 22, durante a palestra do
deputado Protógenes Queiroz em Piracicaba/SP sobre o combate à corrupção no Brasil, aproveitei a
oportunidade para provocá-lo sobre uma característica negativa da democracia
moderna e, ao mesmo tempo, um dos instrumentos de corrupção: o Poder Invisível
dentro das estruturas do Estado.
No clássico O futuro da democracia, Norberto Bobbio avaliou o atual regime
político a partir da comparação entre a democracia utópica e a democracia real
ou porque os princípios idealizados se transformaram em promessas não cumpridas.
Considerando a finalidade da nossa discussão, destaquei três: a existência de
corpos intermediários, a representação dos interesses e o poder invisível. Em
minha opinião, os três fazem parte de um processo com cada um desempenhando uma
etapa.
A
partir de uma abordagem liberal-individualista, imaginava-se uma sociedade na
qual entre o povo e seus representantes não existiriam grupos particulares
intermediários. Com o desenvolvimento da democracia, grandes organizações,
associações, sindicatos, partidos políticos, entre muitos outros, assumiram importância dentro do processo de decisões políticas em detrimento do indivíduo
ou do povo como unidade política.
Da mesma maneira, o princípio da
representação política sempre foi um dos pressupostos da democracia. Por
exemplo, independentemente de quantas pessoas ou qual grupo elegeu um vereador
ou prefeito, depois de empossado ele deveria defender o interesse público ou de
toda a coletividade. Entretanto, até em razão da sociedade policrática,
identificamos atualmente mandatos vinculados a partir da representação de
interesses dos grupos, quando não se limitam aos interesses particulares.
Por último, o poder invisível pode ser
entendido como a coexistência de um poder paralelo e misterioso ocupado por
grandes grupos econômicos e políticos. Alan Wolfe denominou esta
particularidade de “duplo Estado” em seu livro Os limites da legitimidade. Mas segundo Bobbio, “a democracia nasceu com a perspectiva de
eliminar para sempre das sociedades humanas o poder invisível”.
Os três paradoxos são conseqüências naturais
da aplicação prática de uma utopia. Entretanto, no caso do poder invisível,
fica a impressão da decisão política em relação à sua manutenção.
Em resposta, Protógenes evocou a filosofia
hegeliana para lembrar a necessidade de equilíbrio entre interesses
particulares e o interesse público, assim como defendeu que o poder invisível é
natural. Transforma-se em um problema quando é utilizado para favorecimento
ilícito ou para perseguir pessoas.
Concordo parcialmente. A democracia pressupõe
a cultura do acesso, nada podendo permanecer em segredo, a condição para a
manutenção do poder invisível. Segundo Kant em Paz Perpétua, um ato administrativo só não é suscetível de se
tornar público quando conhecido estimularia reações da população que
inviabilizariam sua realização. Essa é a explicação, por exemplo, para o descumprimento de muitas administrações públicas em relação à Lei de Acesso à Informação (LAI).
Finalmente, em uma democracia, a regra é a
publicidade. O segredo é exceção. Somente a radicalização da transparência, da
participação popular e do controle social pode enfraquecer a imoralidade do poder
invisível e diminuir os espaços para corruptos e corruptores.
Ewerton Clemente é economista e servidor público